sexta-feira, 4 de abril de 2008

Luz e Gabo




Gabriel, deixa-me dizer-te algumas coisas: não gosto de rosas amarelas. Não tenho a tua coragem para recomeçar. Nunca serei Nobel de coisa nenhuma, julgo que nem tu alguma vez o almejaste. Tu querias exorcizar os teus fantasmas. No dia em que deixaste de precisar que te lessem ou que gostassem do que escreves, abriu-se a porta da tua alma. Rio-me sempre quando me lembro que a tua mãe te corrigia erros de ortografia. Gosto de te imaginar um maltrapilho a pedir banho, a deambular por ruas de prostitutas. Só tu terias a capacidade de me fazer querer conhecer as ruas malcheirosas e a modorra abafante da Colômbia, com as suas redes mosquiteiras e as suas bananas a saber a sol. Não gosto da expressão realismo mágico que está na moda atribuir aos escritores das Américas profundas. Os teus livros nada têm de mágico, são apenas reflexos dos medos e das vidas que habitam em ti. E neles também. Trago sempre na ponta da língua a tua expressão "má memória", que usas e abusas sem pejo nem embaraço em todos os teus livros. Julgo que a utilizo sempre que me convém, inclusivamente em trabalhos meus. Muitos escritores tentaram, inconscientemente ou conscientemente, imitar-te. Muitos amigos teus como o Mário Vargas Llosa e o Apuleya Mendoza já se encostaram a ti para ganhar uns tostões. E tu deixaste, que te importa a fama. Subir ao sítio onde estás, a mais alta homenagem a um escritor, só te serviu para esbofetear a pequenez dos homens. A prova de que a inveja pode socalcar percursos, mas não tira a vontade de atingir o cume. Aqueles que te desvalorizaram babam, há muitos anos, atrás de ti, ofuscados pelo teu fato de linho branco e, eternamente, simples. Pava para eles. A minha homenagem a ti, e julgo que poucos entenderão a essência deste elo, foi pôr o teu nome ao meu filho. Obrigada por me fazeres acreditar sempre e a toda a hora que os livros apuram a Humanidade.



Luz de Estrelas

*Os livros, dele e sobre ele. Não posou o Aroma da Goiaba porque não o encontrei.

17 comentários:

LP disse...

Ena, eu sou uma admiradora do Gabo há muito tempo, agora estou a ficar também da Luz.

Bela colecção!

Flores disse...

Isso é q é paixão assolapada, Luz.

E se o bi ñ tivesse pilinha, chamar-se-ia Gabriela?

Just curious,

. disse...

Flores, muito provavelmente. :D Ainda bem que lhe chamas paixão. É paixão, não é fanatismo. Luz

Anónimo disse...

O homem realmente sabe escrever. E tu também, minha querida.

a mãe dos miúdos disse...

Estou como a LP, miúda. Depois disto não sei se me abrace aos livros dele se a ti!

(e o pava, o pava...)

Cool Mum disse...

O Amor nos tempos da Luz
isso é devoção. Eu gosto muito, de há muito tempo, mas muuuito mais 'amadora'.

T disse...

Há tb aquele sobre a relação do Gabo com Fidel... Estou a ler e a gostar

T disse...

E, sim, tb tenho paixão assolapada :)

Ana disse...

Gosto tantos das letras dele como das tuas, Luz!

. disse...

Obrigada moris! A mãe dele ligou-me a corrigir um verbo. Lol. Tânia, ainda não conheço esse! Luz

Cristina disse...

Tenho muitos dele mas não consigo chegar a esta colecção.
Luz, uma vez disseste que havia um livro dele que não é muito conhecido que gostaste muito. Podes-me dizer qual é? Gostava de ler.

Bjos

Cristina

T disse...

http://www.webboom.pt/ficha.asp?ID=166935

Estou ainda a ler. Estou a gostar. COnfesso que tinha muitas perguntas sobre o assunto, sobretudo depois de ler "O Aroma da Goiaba"

. disse...

Cristina, não me lembro, confesso. Dentro dos dois géneros, reportagem romanceada e romance, tenho os meus preferidos. Gostei muito das Aventuras de Miguel Littín-Clandestino no Chile ou, por exemplo, dos Funerais da Mamã Grande. Não gosteiparticularmente da Crónica de uma Morte Anunciada, do Memórias das minhas Putas Tristes nem do Revoada (o primeiro dele. De resto, são todos bons. Luz

Tânia, essa relação também me intriga... Muitos dizem que o GGM quer ter o poder, enquanto Fidel o tem.. eu não vejo esta relação assim. Vejo dois homens inteligentes que têm muitas afinidades.Algo que nasceu espontaneamente entre dois homens e não entreum escritor e um ditador. Não posso acreditar que o GGM concorde com a política de Fidel. Depois de tudo o que já leste, o que achas? Luz

T disse...

Eh pá, não consigo ainda decidir-me... A mim a grande confusão que me fazia era ele ter ficado tão desapontado com o regime na Europa e ao mesmo tempo ser tão condescendente com o de Fidel... Ainda vou a meio do livro, mas até agora os autores exploram muito essa vertente de que falas, a atracção de Gabo pelo poder... Acho isso demasiado simplista, pois, se assim fosse, teria tomado essa opção em relação a todos os dirigentes com quem se cruzou... e não o fez... Acredito que haja uma identificação de muitas das suas criações com a figura de Fidel (ou vice-versa?) e que isso os aproxime, mas não consigo encarar as coisas muito para além disso... Deverá certamente haver um conjunto de afinidades que os une e creio que é redutor limitar isso a uma atracção de Gabo pelo poder...

ddm disse...

Como sempre, lindo Luz!

[Eu, que gosto tanto do Gabriel, sou apenas uma amadora perante a tua coleção. :)]

. disse...

Tânia, todos temos uma certa atraçcão pelo poder. Mas poucos são os que, alcançando o poder, o usam bem. Talvez o Gabo seja como eu: o poder fascina-o sem que queira ser poderoso. Apenas pelo fascínio de ver como o gere quem o tem. Luz

T disse...

Luz, é um bocado por aí que eles estão a traçá-lo. Às vezes confesso-me um pouco confusa, porque os acho tendenciosos no retrato que traçam, quase de, ouso dizer, oportunista, epíteto que não lhe consigo atribuir. Perfilho a tua opinião, inteiramente...